04/12/2014



A crônica


Certo dia o professor disse para a sua turma:

- Para a próxima aula vocês devem fazer uma crônica.

O burburinho foi geral. Fazer uma crônica? Mal sabiam fazer uma nota de rodapé, quanto mais umacrônica! Mas de nada adiantaram as reclamações. A tarefa estava dada e com direito a advertência do professor:

- Quem não fizer, perde cinco pontos!

Desde aquele dia, então, a cabeça de Jorge não parou. Sempre gostara de ler, especialmente crônicas, mas, mesmo fazendo curso de jornalismo, nunca pensou na possibilidade em escrever algo desse gênero literário. Mas como missão dada é missão cumprida, ele não poderia deixar de fazê-la, ainda mais quando estavam em jogo cinco pontos.

As ideias que Jorge tinha, no entanto, não ajudavam muito. Pensou em escrever desde a guerra na Faixa de Gaza, até sobre pessoas que jogam balde de água gelada nas cabeças. Pensou em falar sobre responsabilidade social, sobre conservação do meio ambiente, sobre a maturação correta do cacau... Pensou em falar dos imigrantes ilegais, dos calabouços, bruxas e temporais. Pensou em Raul Seixas. Pensou em Raul Gil – este com menos intensidade. Pensou na vida, pensou na morte, pensou no purgatório. Desceu ao inferno de Dante, subiu ao céu de Ícaro. Caiu na ponte do Rio que Cai; escalou o monte Everest. Quis morrer de ciúme, quase enlouqueceu, mas depois, como era de costume, obedeceu.

As ideias, na verdade, não eram um problema. Organizá-las ou mesmo escolher só uma delas era impossível! Que maldade seria escolher uma em detrimento da outra... Agora que via a possibilidade em escrever uma crônica, não queria perder a oportunidade em algo que não valesse a pena de verdade. E, para ele, tudo valia!

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No dia seguinte, o professor disse:

- Exercícios em cima da minha mesa, por favor.

O professor notou que Jorge não se movia. Nem tinha papel nenhum em sua mesa. Nem sinal de que ele iria se levantar e pedir para entregar depois.

- O que foi, Jorge? Não fez o trabalho? Esqueceu-se?

- Não, professor. O trabalho está aqui.
- Onde?

- Em mim. Sou uma própria cônica. Melhor dizendo, várias.