26/12/2013

Amilcar em síntese

Belo Horizonte recebe a exposição Amilcar de Castro - Repetição e Síntese, dando oportunidade ao público de conferir o trabalho singular desse artista ainda pouco conhecido pelos mineiros

“Foi quando e de repente descobri que o avesso das águas guarda o segredo da vida e que escultura é pedra do fundo do rio. O segredo está em consegui-la sem molhar as mãos.” Com esse verso, Amilcar de Castro consegue resumir de modo poético a maneira como conduziu seu trabalho de artista como escultor. Um trabalho que traz tendências vanguardistas e que agora está exposto, com obras inéditas, em Belo Horizonte.

Desde o dia 13 de novembro, O Circuito Cultural Banco do Brasil (CCBB), espaço que faz parte do Circuito Cultural Praça da Liberdade, apresenta a exposição Amilcar de Castro – Repetição e Síntese. O trabalho do artista está no pátio e no terceiro andar do CCBB divido em 16 salas que contêm esculturas em aço, madeira e vidro, gravuras, desenhos e pinturas de Amilcar produzidos ao longo de sua vida.
                                                                
        
Com objetivo de levar aos mineiros o essencial da arte e da cultura brasileira, especialmente a mineira, a exposição traz um acervo com mais de 500 obras de Amilcar, traduzido em sua sensibilidade de observar a arte de um ponto de vista singular com o método inovador de corte e dobra, proporcionando três dimensões às suas obras. O conjunto delas representa uma importante significação para as artes plásticas brasileiras.

Amilcar de Castro, que foi artista gráfico, escultor e 
desenhista, é considerado pela crítica um dos maiores artistas brasileiros do movimento Neoconcretismo criado no Rio de Janeiro que tinha por objetivo mostrar a sensibilidade e subjetividade da arte, ao contrário do Concretismo Ortodoxo, que a apresentava como mero objeto. Amilcar nasceu no ano de 1920 em Paraisopólis, pacata cidade de Minas Gerais com quase 20 mil habitantes, e, por pouco, ele seguiria os caminhos do pai, promotor de justiça, quando se formou em Direito em 1945. Mas, ao estudar na Escola Guignard, decide por se tornar diagramador e em 1957, o artista promoveu a reforma gráfica do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro. Ainda trabalhou em importantes jornais do país, como o Última Hora e o Estado de Minas. Em 1967, Amilcar recebeu uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, onde aperfeiçoou sua arte. Quando voltou para Belo Horizonte, em 1971, dedicou-se a trabalhos educacionais e artísticos.

A singularidade das obras criadas por Amilcar está no método utilizado por ele em que, a partir de um plano, ele produz um corte no material e o dobra, formando uma terceira dimensão. Esse método pode se aplicar tanto a uma folha de papel como a uma chapa de metal. Amilcar tem obras de madeira e papel, mas sua especialidade está em criar sobre o metal, habilidade herdada da sua terra natal, Minas Gerais.
                                                                       
Para o curador do evento, Evandro de Salles, o mistério da obra do artista é quase um paradoxo: “Cada uma delas é sempre a mesma e outra. Elas nunca se superpõem em suas similaridades, pois o aparecimento de cada uma causa um deslocamento surpreendente em relação à precedente.” O curador ainda compara a obra do artista ao do compositor e músico, Sebastian Bach: “a obra de Amilcar é como uma espiral ascendente, em que há um redemoinho vertiginoso onde se estrutura um movimento circular de retorno.”
Segundo o educador do CCBB, João Paulo Andrade, a exposição se diferencia das demais: “a exposição não apresenta ordem cronológica, como a maioria delas até hoje. Ela persegue o ponto de partida do trabalho do artista, procurando mostrar a essência de cada trabalho.” Ainda segundo João Paulo, o trabalho de Amilcar é reconhecido internacionalmente: “Existem esculturas do artista em Berlim. Como ele ganhou uma bolsa de estudos no exterior, Amilcar pôde mostrar sua obra para o mundo.”

A dona-de-casa, Maria da Piedade de Assis, esteve na exposição e deu sua opinião sobre ela: “É diferente e inovadora. Acredito que cada pessoa que vê-la terá um olhar diferente. Eu não conhecia os trabalhos de Amilcar e me surpreendi com a solidez, literalmente, da obra.” (na foto: minha mãe lidinha toda contente!)                                         

Amilcar pelo Brasil – Viajando pelo país ou até mesmo andando por Belo Horizonte, você já deve ter se deparado com alguma das obras de Amilcar de Castro. A escultura mais famosa da cidade é símbolo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Exposta na Praça da Assembleia, a obra já é figura carimbada na mente dos belo-horizontinos. Ainda é possível encontrar o trabalho do artista no Rio de Janeiro, em Brasília e até em Berlim, na Alemanha.

Você pode conferir de perto a exposição até o dia 27 de janeiro de 2014 no CCBB que fica na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Ela está aberta ao público de quarta a domingo, das 9h00 às 21h00. A entrada é franca.


07/09/2013

I wanna somewhere just for me

"Eu quero sair de casa." "Não vejo a hora de ter meu próprio ap." "A convivência com meus pais está cada dia mais insuportável." Essas são exemplos de frases que escuto com frequência dos meus amigos. A maioria deles, para não dizer todos, têm vontade de sair de casa, seja pra ter sua independência seja pra se ver livre do convívio opressor com a família. Para mim essa também sempre foi uma grande vontade. Muitas vezes fica adormecida, quase esquecida, mas por alguns acontecimentos e outros, ela acorda alvoraçada e faminta, louca pra se concretizar.

Então, paro e me pergunto: "por que não fiz isso ainda?" Daí sempre vem a mim as mesmas respostas, aquelas genéricas que jogam umas pedacinhos de pão pra vontade comer, se contentar e voltar a dormir novamente. "morar sozinho é muito caro, tem conta de água, luz e telefone. Fora comida e aluguel, lembra?", "você pode usar esse dinheiro pra investir em outra coisa", "você mal sabe fritar um ovo, quanto mais cozinhar pra si própria", "seus pais dependem de você, e você deles porque além do amor, seu salário mal dá pra se virar".

Longe de mim dizer que essas coisas não correspondem à realidade, que são só desculpas esfarrapadas para uma mente preguiçosa. Tenho bem claro que essas coisas estão certas, especialmente pra mim. Não é nem um pouco recomendável, racionalmente falando, pegar algumas pecinhas de roupa, a escova de dentes e dizer "tô indo nessa" para os velhos. Antes de fazer isso, é necessário muito planejamento, dinheiro no bolso e pés no chão.

O meu questionamento é se esses são os verdadeiros motivos pra não sair de casa. Se são suficientes para a vontade voltar a viver apenas no mundo dos sonhos. E percebo que não, que o real motivo de não botar as asinhas pra fora é a covardia, o medo e o comodismo, o que é um pouco pior que o fato de não ter dinheiro ou disposição de aprender a cozinhar, já que são valores muito maiores que qualquer bem material.

Tenho medo, e me incluo nessa, de fazer parte de uma geração de acomodados medíocres refugiados debaixo das asas da mamãe coruja. De covardes que não conseguem ver nada além do próprio bem-estar imediato, sem pensar na sua formação como ser humano independente e crítico frente a um sistema que nos quer cada vez mais bestializados, porque, ao meu ver, a falta de coragem de sair de casa pode estar relacionada também à falta de coragem de questionar e aceitar tudo àquilo que nos submetem.

Não proponho uma revolta onde exista um grande êxodo domiciliar, mesmo porque não haveria tanto apartamento disponível por aí. Mas rever nossos conceitos sobre porque estamos tão acomodados àquilo que, há muito, não nos faz bem.

09/05/2013

Realidade que parece ficção

Hoje terminei de ler o "Diário de Anne Frank" e com ele algumas mudanças em meu modo de pensar  e de ver o mundo começaram a acontecer. Vocês conseguem imaginar uma menina de 14 anos discorrer de forma filosófica sobre assuntos que nem muitos adultos conseguem explicar? Claro que ela não fala da mesma maneira que filósofos ou grandes estudiosos de questões existenciais, a forma que ela aborda essas questões é inteligente e simples, mas muito profunda.

Anne Frank foi uma garota judia que viveu na Holanda no período da Segunda Guerra Mundial. Logo que começaram as perseguições aos judeus, ela e a família se mudaram para o "Anexo Secreto", uma acomodação em que ficaram escondidos o quanto foi possível durante a guerra. Além dela e da família (seus pais e uma irmã) também ficou escondida outra família (os Van Dan) e um amigo  (Dussel).

Durante este período (1942 a 1944), Anne escreveu um diário relatando seu tempo de sobrevivência no esconderijo. Desde o tipo de comida que tinham até a convivência com os familiares e amigos foram descritas de forma singular pela adolescente. Mas o que mais impressiona é auto conhecimento que ela adquiriu e discute sobre isso. Anne sabe que é extrovertida, bagunceira e por vezes barulhenta, como ela mesma fala, mas no fundo é uma garota cheia de sonhos e desejos nobres. E é quase ficcional a forma como ela escreve seu diário. Se eu não tivesse certeza que foi um diário real (!), ficaria na dúvida quanto à veracidade. Não que haja presença de coisas estranhas, muito pelo contrário, a realidade é descrita de forma tão crua e profunda que é difícil de acreditar.

Tenho certeza que esse livro mudou alguma coisa em mim, porque Anne não é superficial. Ela fala da vida e dos segredos mais escondidos que cada um tem dentro de si. Além do mais, ela possui uma veneração a natureza tem muito a ver com o que eu sinto também. Escrevi e sublinhei no livro alguns trechos que mais gostei e que ainda quero pensar sobre eles. Eis um: "como posso me sentir triste enquanto isso existir, esta luz e este céu sem nuvens, e enquanto eu puder desfrutar dessas coisas?" O que eu imagino, é que uma menina, no meio de uma guerra na qual ela é procurada, em plena adolescência, consegue ver beleza em algo... Acho que isso que se chama fé e esperança.

Infelizmente, ao que tudo indica, alguém delatou o esconderijo onde estavam Anne e a família. A polícia alemã então os levaram, cada um para um campo de concentração. De toda a família, o único sobrevivente foi o pai de Anne.

Na sinopse no livro, é descrito que Anne lutou em vão contra o holocausto. No entanto, refuto essa afirmação, porque sua luta foi verdadeira, e apesar de não ter saído viva dela, não quer dizer que foi inválida assim como os milhões de vítimas da intolerância extrema humana chamada guerra.



16/04/2013

Um furacão de leitura!

Acredito que se você gosta muito de ler já se deparou com a seguinte situação: a leitura está tão boa, mas tão boa que você fica com dó de terminar o livro e ao mesmo tempo quer terminá-lo o mais depressa possível para saber como termina a história. Pois foi exatamente isso que aconteceu comigo no último livro que li do Roberto Drummond: Hilda Furacão.

 A trama ficou famosa depois que a Globo lançou a minissérie estrelada pela linda Ana Paula Arósio em 1998. Como na época era criança ainda, lembro que minha mãe não deixava ficar na sala enquanto passava porque continha cenas impróprias para minha idade. Então, cresci imaginando - pelo pouco que sabia da história - que era mais uma das artimanhas da Globo de utilizar de mulher pelada pra ganhar audiência. Pra falar a verdade, não sei se foi isso mesmo porque até hoje não vi a minissérie. Mas o que posso dizer que essa é de longe a intenção da história.

Pra começar a explicar meu interesse, o livro contém três elementos que eu gosto muito na literatura: jornalista, Belo Horizonte e ditadura. Explico. Meu interesse por alguma história que tenha algum personagem ou que fale sobre jornalista vem da pretensão da minha futura profissão, que claro, é ser jornalista. Depois, gosto de romances que acontecem em Belo Horizonte, me sinto em casa quando os leio. Por exemplo, adoro ler quando o autor escreve: "estava passando pela Avenida Afonso Pena" ou "acontece que naquela hora ainda estava na Praça da Liberdade". Assim, sei exatamente onde estão os personagens e sei exatamente o local em que posso imaginá-los, fora que me sinto toda orgulhosa ao ver minha cidade citada nos livros, que em Hilda Furacão, inclusive, cita a Cidade Industrial em Contagem. Por último, a trama se passa anos antes de um período de horror vivido pelo Brasil, a ditadura, e os personagens são afetados diretamente por ela. Este assunto muito me interessa porque ainda é um período que continua obscuro na história e que, Graças a Deus, começa a caminhar um pouco para a luz com este projeto da Dilma de revisar "arquivos mortos" dessa época.

Dito isso, o autor lançou um desafio que a princípio desconfiei. Disse que se os leitores se sentissem presos e seduzidos ao modo que ele escrevia, os créditos eram para o Seu Quim quem lhe ensinou escrever de uma forma que vai e volta, sem uma linha reta. Pensei em como o autor tinha sido pretensioso ao imaginar que os leitores poderiam se sentirem particularmente atraídos ao modo como ele escrevia e resolvi aceitar aceitar seu desafio e no final das contas tive que dar os devidos créditos ao Seu Quim, mestre de Roberto Drummond.

O livro também cita alguns belos trechos de músicas e poesias e poéticas são algumas falas dos personagens sem ser piegas. Uma fala que me marcou, não sei ao certo porque, foi a de Frei Malthus quando diz: "toda verdade do mundo está nos boleros" ao se aproximar do Maravilhoso Hotel onde ficava Hilda Furacão.

Enfim, não posso dizer mais se não corro o grande risco de criar expectativas onde elas não existem. Mas acredito que vale a pena conferir essa história com um toque de mistérios de uma moça de família que resolve largar tudo para levar a vida na zona boêmia de uma Belo horizonte que cheira a "jasmim e gás lacrimogênio". Com certeza a imaginação corre solta nas linhas escritas por Roberto Drummond.